segunda-feira, março 14, 2011

Eu explico

No post aqui em baixo, eu não digo que estou contra os protestos, as manifestações ou que não estou solidária com as pessoas. Eu estou mesmo muito solidária. Quer nos comentários ao post, quer na TV li e ouvi histórias que é de deixar qualquer um revoltado. Eu só não acho é que esta seja uma geração mais à rasca do que qualquer outra.

Que dirão os nossos pais (o meu não, porque não é português) e tios que tiveram que ir para a guerra e mesmo os que não tiveram que ir, tinham sempre aquele terror da possibilidade de irem a cair sobre eles? A minha mãe foi para a faculdade com 16 anos e tinha que apanhar 3 autocarros à meia noite para ir para casa porque naquele tempo nenhum filho tinha a carta e muito menos tinha permissão para guiar o carro dos pais. Hoje em dia é raro quem não dê umas voltas no carro do pai, nem que seja para ir ao café. O meu pai tinha que ir para a escola de bicicleta e fazia kms todos os dias.Teve que jogar futebol para pagar o curso. Nenhum dos dois tinha uma mesada que lhe permitia ir para os copos todos os fins de semana. Tanto que a minha mãe tinha que escolher entre lanchar ou apanhar o autocarro para casa e o meu pai, como o meu tio era um enjoadinho, comia o prato dele e o do meu tio na cantina, para não ficar com fome.

Geração à rasca era também a das nossas avós que não puderam estudar e casaram aos 18 anos, tiveram filhos aos 19 e não puderam nunca seguir os seus sonhos profissionais e pessoais.

Pegando num comentário do Francisco José Viegas num debate de sábado à noite, se vocês forem ao Bairro Alto ou à baixa do Porto à noite, a malta jovem anda lá toda. Muito provavelmente, muitos dos que se manifestaram de tarde são os mesmos que estavam lá à noite. A pagar 5 euros por cada vodca limão ou consumos mínimos de 10 euros para entrar nos bares e discos. Com o carro no parque de estacionamento ou com o número do táxi no telefone para o fim da noite. São os mesmos que tomam o pequeno almoço fora ou vão buscar comida ao take-in. Isso é que me chateia um bocadinho porque no tempo dos nossos pais ninguém acabado de tirar o curso ia para a noite todos os fins de semana, nem jantar fora, nem eram assinantes da SporTv e ninguém nessa altura se considerava à rasca. Provavelmente ganhavam o equivalente aos que o recem-licenciados ganham agora mas havia muito menos oferta, logo não tinham - porque também não existiam - menos luxos. Luxos que as pessoas de agora tomam como certos e que, na minha opinião, não deviam.

Se eu acho incrivelmente injusto que alguém que trabalhe ande a ganhar 200€, 500€ e 600€? Acho. Acho que esse têm todo o direito a manifestarem-se, a exigirem, a revoltarem-se, a tudo (e foda-se se o governo não anda a gozar connosco quando baixa o IVA da merda do golfe e os bens essenciais sempre a subir). Mas nós, os que estamos "bem" e relativamente seguros no nosso emprego, devíamo-nos era revoltar (muito!) por essas pessoas, por essas situações e não pela nossa.

E quando eu disse que não me incluía na chamada geração à rasca foi porque a maioria dos que se auto-intitula à rasca eram os que estavam ali ao meu lado no Coliseu do Porto, a achar muito bem a canção dos Deolinda, mas deram 25 euros para estar ali.

16 comentários:

Miss T disse...

Concordo e subscrevo na totalide. Sim, sim, têm o direito e muita razão em se manifestarem e de lutarem por uma sociedade mais justa, mas o "à rasca" actual é bem capaz de não se tão grave comparando com outras gerações ainda recentes.

Ana disse...

Concordo com tudo o que escreveste. O problema é que há recém-licenciados a ganhar menos de 100 euros por mês a recibos verdes e que não saem à noite nem jantam fora e mesmo assim, e como é óbvio, continuam sem dinheiro para as necessidades mais básicas. Esses sim estão à rasca e têm de se fazer ouvir.

cmfm disse...

A mim parece-me que a análise feita talvez não seja a mais correcta. É que se está a comparar a vida dos nossos pais com a vida dos jovens de hoje em termos de condições de vida de estudante.
O facto de a juventude andar no carrinho dos pais e ter dinheiro para os concertos acontece exactamente por que os seus papás, após as dificuldades que tiveram para alcançar os seus objectivos estudantis tiveram empregos estáveis que lhes permitiu dar aos filhos o que eles não tiveram.

A geração mais nova, que bebe copos no bairro à conta dos pais está à rasca porque quando eles terminarem a faculdade, ao contrário dos seus pais, não vão ter um emprego à espera, e os que têm são mal pagos e precários.
Comparar o que eles ganham agora com o que se ganhava há 10 anos atrás e dizer que (provavelmente) era o mesmo sem apresentar dados concretos é muito fácil, mas pode também ser mentira.

Esta situação é muito mais complexa do que meia dúzia de palavras, que normalmente se escrevem muito a favor ou completamente contra, podem escalpelizar.

Para uns esta geração é uma cambada de bebés chorões e para outros um grupo de escravos. Sendo que provavelmente não é uma coisa nem outra. Mas que não tem um futuro risonho, e a culpa não é só sua, disso não tenho qualquer dúvida.

kiss me disse...

Ana, e é por esses que eu me revolto. Não pelos outros.

Camille disse...

Não podia concordar mais com o teu ponto de vista. muito bom!

wannabe disse...

Que estamos numa época de crise financeira, económica e política a nível mundial, já ninguém duvida. E estou de acordo que se proteste contra muito do que temos na actualidade... Agora identificarem esta geração como ponto central, é realmente irónico! Também concordo que grande maioria dos que se manifestaram, a seguir foram para os copos, jantar sushi e para os copos... só porque coitadinhos estão mesmo à rasca!!
À rasca esteve o meu pai, que andou na guerra e lhe deixou marcas até hoje! E mesmo assim nada o impediu de me educar com garras suficientes para merecer o que ganho hoje, e vos garanto, nem sempre foi assim...

stantans disse...

concordo plenamente!! era ver na manif a maioria das pessoas de copo na mão, para isso já não há crise! eu sinto-me no direito de me queixar porque não tenho mesada, não tenho carro, não tenho tv cabo, não faço refeições fora, e se saio à noite é porque trabalho numa discoteca e não pago entradas nem bebidas. agora ver pessoas como o anónimo do outro post que recebe 600 euros, anda para todo o lado de carro e tem com certeza montes de pequenos luxos dos quais não quer abdicar e ainda se queixa, isso revolta-me!

Luis disse...

Mais uma vez a cair no erro de comparar o incomparável, daqui a nada estamos a comparar com a geração que viveu a primeira grande guerra, estamos a comparar com o homo sapiens, que dormia em grutas e tinha frio a noite etc...
Cada época tem as suas dificuldades, e cada geração de cada época tem todo do direito de se manifestar com o contexto da época que se vive. É fácil falar de tempos passados e comparar porque temos conhecimento dos mesmos.

Margarida B. disse...

É uma questão um pouco complexa de se debater. Compreendo a sua comparação da geração dos seus pais e avós com a actual, mas os tempos evoluiram (referiu que o seu pai percorria kms para estudar e o meu também e agora quase todos os pais têm viatura própria... eu ia para a escola no carro dos meus pais). Concordo que alguns jovens sejam demasiados comodistas e têm facilidades que os nossos pais não tiveram. Mas, repare trata-se de uma questão sociológica. Grande parte dos pais não têm sequer habilitações superiores e, por isso, incentivaram os seus filhos a estudarem para serem "dotôres". Não vejo mal nenhum nisso, porém o boom de "sô dotores" é enorme.. Ninguém quer se aventurar no sector primário... Curioso é o facto de, nos dias que correm, o vencimento de uma empregada doméstica é um absurdo comparando com o de licenciados. E, com a conjectura nacional esses problemas agravam-se. e

Bolacha Sofia disse...

concordo plenamente com aquilo que escreveste. muito bom

Juca disse...

subscrevo.

Pompi disse...

Concordo apenas em parte. É sempre perigoso generalizar e penso que o protesto "geração à rasca" fugiu um pouco ao assunto chave. O que é facto é que hoje em dia estudamos (sustentados pelos papás),temos pequenos luxos (porque os papás pagam), mas não há condições para sair desta situação! Eu falo por mim,trabalho em part-time (ganhando uma miseria), estou no mestrado (porque Bolonha assim me "obrigou") e quero ser independente e não me deixam! Não posso!!!!! Os meus pais provavelmente serão mais novos que os teus, mas na minha idade eles já tinham um emprego...decente!

DamaDespadas disse...

É preciso sublinhar que mesmo tendo alguma coisa, é nosso direito lutar e reivindicar por mais. Mesmo que aos olhos dos outros pareça exagerado. Acho que mais do que tudo, se trata de uma luta por mais e melhor.

Anónimo disse...

Nem mais!

Anónimo disse...

compreendo o seu ponto de vista,a sociedade não está pior porque existe toda uma geração de pais e avós a ajudar a "manter" está geração.Ageração dos nossos pais passou dificuldades mas quem queria trabalhar trabalhava e chegando a uma certa altura conseguiam estabilidade economica onde está essa estabilidade nesta geração???

Anónimo disse...

Então eu vou dar um exemplo concreto ao cmfm: em 1987, tinha eu 21 anos, o ordenado mínimo rondava os 32.000$00. Eu ganhava 37.000$00. Pagava um quarto que me custava 12.000$00. Em 1989, dois anos depois mudei de emprego e fui ganhar 66.000$00 (quase o dobro). Ganhava, mais ou menos o dobro do ordenado mínimo. Então meti na cabeça que havia de arranjar uma casa só para mim. Em 1991 lá consegui encontrar uma casita velha ali para os lados do Jardim de Arca d'Água e pagava 40.000$00 - nessa altura ganhava 67.500$00, uma fortuna. Ficava com 37.500$00 para o resto (alimentação, água, luz, etc.). Passava os fins de semana em casa a ver filmes alugados (em VHS, lembram-se?)Lembro-me que, na procura de casa, quase todas as rendas rondavam os 50.000$00. Vi uma ali para os lados da Sé, velha, quase sem condições, que me pediram 52.000$00 e o cúmulo dos cúmulos, um T0 perto da Rotunda (passo lá todos os dias...) que custava 70.000$00 (mais do que o meu ordenado). Há mais ou menos 1 mês estava lá um anúncio de aluguer e eu telefonei, só por curiosidade. Pedem 375 euros. Não aumentou tanto assim. Os ordenados sim. Se eu ganhasse hoje o dobro do ordenado mínimo, digamos, 1000 euros, ficava com mais de metade do ordenado para tudo o resto. Naquela altura, o meu ordenado não chegava sequer para pagar a renda. Portanto, mais concreto do que isto, não há. Em resumo: pagava uma renda que me tirava mais de metade do ordenado. É concreto que chegue? No entanto, quero dizer que o descontentamento é real e o facto de as coisas terem sido difíceis não obriga a que agora exijamos que o continuem a ser. Hoje há outras expectativas, as pessoas não se contentam com tão pouco. Errado? Talvez não. Mas não me venham dizer que a culpa é nossa, das gerações anteriores, por amor da santa! Temos ou não cabecinha para pensar?

Kiss me, desculpe a extensão do comentário.

Dulce Fernandes